Amigos, amigos, negócios faz parte

Ao longo do seu mandato de três anos (2021-2024), o Conselho de Administração da Fundação Casa da Música decidiu as contratações de uma nova Diretora Administrativa e Financeira e uma nova Coordenadora de Sistemas de Informação. Decidiu também a realização de auditorias aos sistemas de informação e a contratação de vários serviços nesse campo. As secções seguintes mostram as ligações próximas entre a configuração do CA (que circula em torno de duas instituições de ensino superior), as contratações sem concurso de quadros dirigentes muito bem pagos e um conjunto de negócios na área dos sistemas de informação, lesivos para a Casa da Música nas dimensões financeira e funcional.

Lugares em comum

O Conselho de Administração (CA) da Fundação Casa da Música, em funções desde junho de 2021 (até julho de 2024), tem como presidente Rui Amorim de Sousa (ex-CEO da Cerealis e antigo estudante da Faculdade de Economia do Porto), como vice-presidente Fernando Freire de Sousa (professor da Faculdade de Economia do Porto entre 1975 e 2010 e membro do conselho consultivo da Católica Porto Business School) e como administradora-delegada Carla Chousal (licenciada em Economia também na Faculdade de Economia do Porto). Os restantes membros do Conselho de Administração são Graça Graça Moura (licenciada pela Faculdade de Economia do Porto), António Marquez Filipe (licenciado pela Faculdade de Economia do Porto), Luís Osório (licenciado e docente de pós-graduação na Católica Porto Business School), Leonor Sopas (licenciada pela Faculdade de Economia do Porto e professora da Católica Porto Business School).

Em ambas as instituições – Faculdade de Economia do Porto (FEP) e Católica Porto Business School (CPBS) tem grande peso o vice-presidente do CA da Fundação Casa da Música (FCDM), Fernando Freire de Sousa, académico decano e presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto.

A Católica Porto Business School passa a ter grande proximidade com a FCDM neste período, chegando a assinar um protocolo para que trabalhadores seus ali façam pós-graduações com descontos de 10% a 50% no valor das propinas (uma pós-graduação pode custar cerca de 20.000€). Em contrapartida, a Casa da Música oferece à CPBS 25% de desconto em cursos livres do serviço educativo (que custam 110€).

Nova Diretora Administrativa, Financeira e de Sistemas de Informação

Maio de 2022. O Conselho de Administração contrata, sem concurso nem publicação de anúncio, Ana Isabel Mena de Matos Lessa Ferreira como Diretora Administrativa, Financeira e de Sistemas de Informação – mais conhecida como Isabel Mena Matos. Licenciada e Mestre pela Faculdade de Economia do Porto, Isabel Mena Matos foi professora da Católica Porto Business School durante uma década (2008-2019). Entra na Casa da Música com um salário na ordem dos 5.000€ mensais. O vice-presidente do CA, Fernando Freire de Sousa, esteve pessoalmente envolvido na sua escolha.

Junho de 2022. Apenas um mês depois da sua entrada, Isabel Mena Matos propõe ao Conselho de Administração da Fundação Casa da Música um assessment (auditoria) aos Sistemas de Informação (SI). A ideia seria perceber qual o estado dos SI, em termos de necessidades e boas práticas, embora, na verdade, existisse uma equipa interna de SI que teria uma imagem completa do seu estado e das necessidades de investimento, alguns já com procedimentos de contratação pública em curso e com renovações de infraestruturas a decorrer.

Acabada de chegar e desconsiderando os dados internos já existentes, Isabel Mena Matos apresenta ao CA a sua proposta de assessment levando já na mão um orçamento da empresa CPCecho, no valor de 4.800€.

Embora a necessidade de uma eventual auditoria nunca tivesse sido identificada até esse momento, o Conselho de Administração aprova a auditoria a realizar pela empresa CPCecho.

Quem é a CPCecho?

O principal sócio e CEO da CPCecho é Jorge Queiroz Machado, formado em Eletrónica na Universidade do Porto e com uma pós-graduação em Gestão (onde?… onde?) na Católica Porto Business School.

O CEO da CPCecho tem um filho também com espírito empreendedor, Francisco Machado, que fundou em 2021 uma marca de óculos chamada Leko Brand com um amigo de longa data, António Lessa Ferreira. Sim, “Lessa Ferreira”, como Isabel Mena de Matos Lessa Ferreira, de quem é filho. Fica a pergunta: os progenitores destes jovens empreendedores já se conheciam de algum lado? Sabemos que os filhos são bons amigos há mais de uma década, a acreditar no que os próprios foram dizendo à imprensa quando criaram o seu negócio em sociedade. Parece óbvio que já existia uma relação entre a recém-chegada Diretora Administrativa, Financeira e de SI da Fundação Casa da Música e Jorge Queiroz Machado, CEO e sócio maioritário da CPCecho.

O mundo é pequeno, e em 2022, acabada de chegar à Casa da Música, Isabel Mena Matos estava a propor ao Conselho de Administração a contratação de uma auditoria a realizar pela empresa do pai do grande amigo do seu filho.

A CPCecho é uma empresa do grupo CPC IS, esta última membro do Conselho de Fundadores de Casa da Música.

Fim de saldos

Com uma promoção agarra-se o cliente, e a auditoria da CPCecho tinha um preço simpático. Apesar de não ser necessária, esta solução externa custava apenas 4.800€. Trocos. Mas foi só o começo, porque os negócios mais lucrativos vieram a seguir.

Setembro de 2022. A auditoria da CPCecho proposta por Isabel Mena Matos estava concluída. Assim que entrega o resultado, a mesma CPCecho apresenta-se como candidata para realizar os serviços que ela própria concluíra serem necessários. Agora o preço é outro: 81.681 €.

A Casa da Música não podia contratar a CPCecho a este preço sem um procedimento de contratação pública. Assim, é lançada uma consulta prévia em novembro de 2022, tendo em vista “a contratação, por lotes, da prestação de serviços de assessoria na área dos Sistemas de Informação & IT da Casa da Música”. A CPCecho concorre, mas estranhamente perde esse concurso por ter proposto um valor superior ao preço base estabelecido pela Casa da Música.

Ganha a Armis – Sistemas de Informação, Lda. por 73.700€. Viria a apresentar o seu plano para este serviço em março/abril de 2023.

Nova Coordenadora de Sistemas de Informação

A Casa da Música estava sem Coordenador de SI desde meados de 2022, altura em que o Conselho de Administração tinha anunciado que alguém seria contratado para esse lugar. A contratação realizou-se apenas em março/abril de 2023, sem concurso nem publicação de anúncio.

A nova Coordenadora de SI é Marta Valente, que entra em funções em julho de 2023 com um salário na ordem dos 3.800€ mensais.

Marta Valente trabalhava há dez anos no seu primeiro emprego, como coordenadora dos SI da CVRVV – Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Em 2021/2022 concorreu a um lugar de técnica superior de informática na Câmara Municipal de Gaia, em que iria ganhar 1.215,93€ caso fosse colocada, o que não aconteceu. Arranjou assim um lugar bem mais promissor na Casa da Música. 

De onde vem Marta Valente? É casada com João Ferreira Silva – que exerce a função de “team leader professional services” na CPCecho, desde 2021. Não parece ter sido equacionado qualquer conflito de interesses entre a contratação desta profissional e a candidatura a uma assessoria de 75.000€ pela empresa do marido. Não haveria problema, certamente, porque a CPCecho nem sequer tinha sido a vencedora do concurso. Será mesmo assim?

Armis, testa de ferro da CPCecho

Em abril de 2023, a Armis apresenta o seu projeto para os serviços de assessoria contratados, decalcado do projeto já apresentado pela CPCecho – dois powerpoints em que muda a cor mas não muda a maior parte do conteúdo. A relação entre as duas empresas é próxima, até porque a Armis foi fundada por um ex-elemento da CPCecho.

Enquanto o projeto da CPCecho tinha como autor consultor Ricardo Sousa, o da Armis tem o mesmo Ricardo Sousa como “aconselhamento consultivo”. A Armis entrega a “coordenação operacional do serviço” a… João Silva. O João Ferreira Silva da CPCecho (marido da coordenadora de SI da Casa da Música, prestes a entrar ao serviço).

Em resumo, os profissionais da CPCecho foram subcontratados pela Armis para realizar o serviço que a própria CPCecho não ganhou na contratação pública.

Os objetivos deste projeto encontram-se no documento da proposta de serviços da Armis. Alguns deles são um desafio à imaginação, pois não querem dizer nada ou quase nada:

– Dimensionar necessidades reais
– Gestão de projeto de implementação
– Modernização da colaboração entre colaboradores
– Consolidação de correio eletrónico
– Consolidação de partilha de conteúdos (Onedrive e Sharepoint Online)

Outros referem-se a processos que na verdade não foram realizados pela empresa:

– Consolidação da aquisição de licenciamento Microsoft num único processo para agilização de datas de término contratuais e aumento da capacidade de concorrência e maiores vantagens económicas
[Este processo já estava contratualizado pela equipa interna da Casa da Música.]

– Modernização dos postos de trabalho
[Já planeada pela equipa interna e, meses depois, implementada por outra empresa externa. O quadro apresentado na página 106 do Relatório de Atividades e Contas de 2023 confirma que este processo não fez parte do serviço contratado à Armis.]

– Elaboração de conteúdos técnicos para peças processuais
[Já realizados pela equipa interna e outras consultoras, nomeadamente para renovações de infraestrutura de cablagem, rede de switch e suas ferramentas de suporte e gestão, e renovação das Firewall, por concurso, para uma das melhores marcas do mundo de Firewall, a Palo Alto.]

– Ferramentas de segurança de conteúdos e acessos (Endpoints e Correio Eletrónico)
[Já adquirida uma das melhores marcas do mundo de Firewall, a Palo Alto.]

Na prática, o que fez a Armis (ou CPCecho)?

A Armis (ou CPCecho) desenvolve este projeto que se limita a ter um técnico de helpdesk a dar algum apoio, durante seis meses (perante uma equipa de SI que, nos primeiros meses desse ano de 2023, perdeu os dois elementos internos que restavam), e à presença do consultor em reuniões internas, pago a 75€ por hora.

A Armis não chega sequer a trocar os computadores da Casa da Música. Para esse trabalho e para o helpdesk é contratada uma outra empresa externa durante 6 meses, de set/2023 a fev/2024, por 19.000€.

Firewall por Firewall

Setembro de 2023. Numa altura em que a área de SI da Casa da Música não tem nenhum técnico de informática interno, além da diretora e da coordenadora, faz-se uma estranha troca da firewall. A Casa da Música tinha equipamento de central firewall topo de gama da Palo Alto, comprado por 44.850€, três anos antes, em setembro de 2020.

Estes equipamentos tinham o suporte pago durante três anos, terminando precisamente em setembro de 2023. A Palo Alto comercializa a extensão deste suporte por um, três ou cinco anos, mas essa não foi a opção da Fundação Casa da Música, assessorada pela CPCecho.

O equipamento da Palo Alto, em pleno funcionamento, foi retirado e no seu lugar foi colocada uma firewall Fortinet. Esta troca ocorreu em setembro de 2023 e revela-se a todos os utilizadores da rede interna da Casa da Música, por exemplo, ao aceder ao software de VPN, além de ser fisicamente verificável.

O procedimento de contratação pública para a aquisição desta firewall não se encontra registado no site base.gov (consultado em julho de 2024). Mas o Relatório de Atividades e Contas de 2023, na página 107, confirma “a aquisição de nova firewall“.

Coincidentemente ou não, a Fortinet é representada em Portugal pela… CPCecho.

Mais alguns meses de consultoria

Novembro de 2023. A CPCecho volta a ser contratada para continuar a consultoria. Valor 9.945€, correspondente a 65€ por cada hora. Essa consultoria materializa-se na presença do mesmo consultor da Armis, Ricardo Sousa, agora em representação da CPCecho, em reuniões internas da Casa da Música. Chega a estar presente, no início de 2024, em entrevistas a técnicos de SI num processo de recrutamento destinado à equipa interna, ao lado da coordenadora de recursos humanos da Casa da Música.

E tudo o Estado pagou…

A Fundação Casa da Música é uma instituição de direito privado e financiamento maioritariamente público. No passado, como já foi divulgado pelo fugasdacasa.net, muitos benefícios chegaram às empresas privadas que dominam a gestão da Fundação. Desta vez, com outro Conselho de Administração, revela-se que os negócios e contratações favorecem pessoas e entidades que pertencem a um determinado círculo académico, próximo dos membros do CA. Será que, à semelhança do que se passou com as ilegalidades aqui denunciadas em 2022, também neste caso haverá um parecer jurídico, feito à medida, que recomenda esta abordagem personalizada à contratação?

Ao longo do mandato deste Conselho de Administração, a Casa da Música teve apenas resultados líquidos negativos: -200.912€ (2023), -583.835€ (2022) e -876.143€ (2021) – dados retirados dos relatórios de 2023 (página 106) e 2022 (página 73). Com este tipo de gestão, que resultados financeiros apresentará no ano de 2024?