4. Banco BPI, publicidade com benefícios fiscais

Os contributos do Banco BPI e da Fundação La Caixa (ambos na esfera do grupo espanhol Caixa Bank) para o orçamento da Casa da Música são claramente compensados em termos de visibilidade, com privilégios em relação aos restantes mecenas, infringindo o Estatuto do Mecenato. A lei é clara: se os verdadeiros mecenas obtêm benefícios fiscais em troca do seu contributo, não podem “comprar” mais visibilidade por doarem mais dinheiro do que os restantes mecenas.

“A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido”
“A identificação pública do mecenas não deve revestir a natureza de mensagem publicitária, devendo, pois, efectuar-se de forma discreta, num plano secundário relativamente ao evento ou obra aos quais aparece associada”

Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC – Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

O Banco BPI e a Fundação La Caixa exigem (e conseguem) muito mais visibilidade do que os restantes mecenas. Esta página ilustra vários exemplos desse privilégio ilegal.

Orquestras no Pandemónio

A Fundação La Caixa, ligada ao banco espanhol que controla o BPI (Caixa Bank), foi mecenas da Casa da Música, em 2019, com um donativo de 320.000 €1. Não se tratou de um mecenato à programação regular, mas sim de um financiamento dependente da realização extraordinária de uma digressão nacional de duas orquestras da Casa da Música (a Orquestra Sinfónica e a Orquestra Barroca) intitulada “Orquestras no Património” e totalizando sete concertos.

As imagens dessa digressão revelam os seus contornos de operação publicitária ao Banco BPI, com os logótipos desta empresa e da Fundação La Caixa destacados nos ecrãs gigantes usados nas iniciativas.

Em troca deste apoio da Fundação La Caixa, no valor de 320.000 €, a Fundação Casa da Música apresentou gastos no valor de 295.629 € 2 – a que se deve somar a afectação dos seus recursos internos. Resumindo: dos valores que recebeu deste mecenas, nada sobrou para a actividade regular da Casa da Música – tudo foi gasto nos concertos da digressão.

A visibilidade exclusiva a estes mecenas, nestes concertos, é uma violação da Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC – Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (citada acima). Os benefícios fiscais obtidos pela Fundação La Caixa com este acordo existiram por se considerar que se tratou de um financiamento mecenático – quando, na realidade, foi um patrocínio ou mesmo uma encomenda. A visibilidade dada ao Banco BPI não se coaduna com a total invisibilidade dada aos restantes mecenas – já que, mesmo na hipótese remota de se considerar legítima a visibilidade dada à Fundação La Caixa, nesta actividade específica o BPI não tinha qualquer intervenção – o seu papel era o mesmo de qualquer outro mecenas.

A publicidade ao BPI, que é o mecenas que mais dinheiro doa à Fundação Casa da Música (700.000 € anuais até ao ano de 2020), acontece também de outras formas. A mais nítida é o grande cubo no exterior da Casa da Música, o que contraria a referida Circular, dando visibilidade a apenas dois mecenas (o banco nacional e a Fundação La Caixa). Este cubo, colocado na praça da Casa da Música junto à Rotunda da Boavista, é um espaço publicitário que, mesmo em locais de menor circulação, valeria pelo menos 50.000 € anuais. A Fundação Casa da Música oferece-o ao Banco BPI e à Fundação La Caixa.

Recentemente, este cubo foi multiplicado por três e encontram-se outros exemplares na esplanada do café da Casa da Música e no espaço interior de acesso à Sala Suggia. Também nos concertos de Verão que a Fundação promove em várias cidades do distrito do Porto, para milhares de pessoas, são dispostos vários exemplares destes cubos gigantes.

A publicidade preferencial ao BPI e à marca espanhola não se esgota aqui. Toda a comunicação da Casa da Música privilegia estes mecenas em detrimento dos restantes. Na maior parte das comunicações com o público, colocam-se lado a lado apenas três entidades: Estado/Ministério da Cultura, BPI e La Caixa, ignorando todos os outros mecenas e financiadores.

Mecenas a custo zero

O Relatório de Actividades e Contas de 2020 da Fundação Casa da Música revela que a Fundação La Caixa não contribuiu com o apoio mecenático prometido para esse ano. Os 320.000 € previstos não foram entregues. Ainda assim, em todas as suas publicações, a Casa da Música continuou a destacar o logótipo da Fundação La Caixa como “mecenas principal”, a par do BPI. Trata-se de um caso singular de destaque publicitário a um mecenas que nada contribuiu.

Mais publicidade dedutível

Outra forma usada para fazer publicidade a alguns mecenas, de forma nada discreta, é a projecção dos respectivos logótipos nas paredes da Sala Suggia, junto aos lugares do coro, antes dos concertos e durante os intervalos.

As agendas periódicas da programação da Casa da Música são outro exemplo da publicidade gratuita feita a este mecenas. Na agenda do “Verão na Casa” de 2019, por exemplo, antes de se chegar às páginas da programação, o logótipo do BPI aparece três vezes em páginas ímpares: a primeira, juntamente com o da SONAE e os das entidades públicas (Estado e Câmara do Porto); a segunda, integrado numa página inteira de publicidade ao banco; e a terceira, isolado na página nobre de apresentação geral da programação.

Na mesma agenda, o logótipo aparece mais 10 vezes ao longo das páginas, várias das quais associado à digressão ‘Orquestra no Património’ – realizada como contrapartida do mecenato da Fundação La Caixa, e não do BPI. O destaque de página inteira dado ao BPI acontece com grande regularidade nas agendas mensais de programação.

PRÓXIMA FUGA
5: Telles de Abreu Advogados, o braço armado

Fontes
(1) Relatório de Actividades e Contas 2019, página 213.
(2) Relatório de Actividades e Contas 2019, página 253.