É muito claro que a Fundação Casa da Música não tem tido a intenção de respeitar o princípio legal do tratamento igualitário dos mecenas. Assim o expõe a própria:
“Importante foi também a capacidade que a Fundação Casa da Música teve para estruturar os diferentes acordos de mecenato, estabelecendo ligações, tendencialmente biunívocas, aos diversos segmentos da programação, o que permitiu dar visibilidade aos vários mecenas mas escaloná-los de acordo com os níveis de apoio que concedem à Casa da Música.”
Plano de Actividades e Orçamento da Casa da Música, 2018
Este “escalonamento” dos mecenas é ilegal:
“A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido”
Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC – Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
No mesmo documento da Casa da Música lê-se:
“…a Fundação tem sempre disponível um formato adequado para acomodar o interesse de um potencial Mecenas, tanto em termos de valor, como de associação da sua marca e dos outros benefícios disponíveis, como oferta de convites e descontos na bilheteira e no aluguer de espaços.”
Plano de Actividades e Orçamento da Casa da Música, 2018
Sendo o aluguer de espaços uma das actividades comerciais que geram receitas à Fundação, os benefícios concedidos a empresas que se assumem como mecenas são uma infracção ao Estatuto do Mecenato.
Quanto ao tratamento idêntico e uniforme a todos os mecenas, a seguinte frase do mesmo documento é reveladora:
“Os Mecenas Principais são encarados como os mais importantes da Fundação e toda a actuação da Casa da Música é pautada pelo objectivo de, com estas entidades, construir uma relação de verdadeira parceria, que vá para além do estrito cumprimento das obrigações contratuais.”
E, mais à frente, a revelação é total:
“A oferta de cedência de espaço é muito valorizada pelos parceiros. Todos os Mecenas deste segmento continuarão a ter à disposição um crédito para aluguer no valor mínimo de 5.000 euros/ano, a gerir na base de uma conta corrente.”
“De um modo geral, tem vindo a ser melhorada a presença das marcas nos materiais de comunicação da Casa da Música, reforçando as associações entre as marcas e os segmentos programáticos a que estão associados. Criaram-se novas rotinas para evidenciar o apoio dos Mecenas, nomeadamente em projecções no edifício e na Sala Suggia, bem como oportunidades de activação à medida.”
Plano de Actividades e Orçamento da Casa da Música, 2018
Nada disto corresponde a medidas iguais para todos os mecenas. Há um tratamento preferencial dos mecenas que mais contribuem, dando-lhes a visibilidade de um patrocinador – mas mantendo os benefícios fiscais majorados que deveriam ser exclusivos para empresas que contribuem para a cultura sem procurar obter contrapartidas comerciais.
Para quem gere a Fundação Casa da Música, de nada parece servir o que estipula o Estatuto do Mecenato:
“apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas”
Decreto-Lei n.º 74/99, artigo 1.º, n.º 2
EPISÓDIOS
2: Contratação Pública para quê?