2. Santa Allianz

Com a nomeação de José Pena do Amaral, membro da comissão executiva do BPI, para Presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, surgem os negócios lucrativos para a Allianz – empresa de seguros participada pelo BPI e cujo Conselho de Administração inclui… o mesmo José Pena do Amaral.

A Allianz torna-se mecenas da Casa da Música em 2015, doando 25.000 € anuais (ocasionalmente 37.000 € e 40.000 €). Em troca, é beneficiada ao tornar-se seguradora da Casa da Música com receitas de 150.000 € anuais (como a seguir se demonstra), sem o concurso público a que obriga a Legislação.

A tabela disponibilizada contém uma listagem de facturas de seguros contratados pela Fundação Casa da Música que mostra a que empresa estavam contratadas diversas categorias de seguros ao longo dos anos. Aí se verifica que os negócios com a Allianz começaram de facto em 2015, abrangendo os seguros de saúde, acidentes de trabalho, multirriscos – comercial e responsabilidade civil, para além de alguns seguros de acidentes pessoais. A passagem dos seguros de saúde para a Allianz, em Janeiro de 2015, comprova-se também por um e-mail do Director Geral da Fundação Casa da Música enviado aos trabalhadores a 29/12/2014.

Seguem-se os valores anuais gastos pela Casa da Música nestes tipos de seguros, apurados nos documentos administrativos indicados à frente:

– Seguros de saúde: 86.851,96 € (ver recibo correspondente).
– Seguros de acidentes de trabalho: 29.780,50 € (ver recibo correspondente).
– Seguros de responsabilidade civil e multirrisco: na ordem dos 36.000 €.1

150.000 € por ano sem concurso público

Como se viu acima, a Fundação Casa da Música contrata à Allianz apólices de seguro que totalizam cerca de 150.000 € por ano, sem qualquer concurso público, consulta prévia ou ajuste directo publicado no portal Base2, como impõe o Código dos Contratos Públicos (ver Legislação). Ainda que os valores a considerar fossem distribuídos por diferentes categorias (saúde, acidentes de trabalho, multirrisco…), os valores de cada uma destas categorias obrigariam, de qualquer forma, à realização de procedimentos transparentes de contratação pública. Isso nunca ocorreu desde 2015. Em 2022, por alguma razão, surgem os primeiros procedimentos de contratação pública de seguros pela Casa da Música, já com outra empresa, mas apenas relativos a seguros multirrisco.

Mecenato com destino incerto

Depois da sua participação no capital fundacional da Casa da Música, em 2006, a Allianz financiou a actividade da Fundação com os seguintes valores3:

  • 2015: 25.000 € (Mecenas Ano Alemanha)
  • 2016: 25.000 € (Mecenas música coral e coro infantil)
  • 2017: 37.500 € (Mecenas música coral e coro infantil)
  • 2018: 40.000 € (Mecenas música coral e coro infantil)
  • 2019: 25.000 € (Mecenas música coral e coro infantil)

Ao referir-se o Coro Infantil enquanto objecto deste mecenato, pressupõe-se que as actividades educativas sairiam reforçadas, já que este novo coro surgiu integrado no Serviço Educativo. No entanto, pode verificar-se nos relatórios de contas que o impacto de mais mecenato no Serviço Educativo foi nulo: a cada ano que passa, a quantia investida neste departamento é mais baixa do que no ano anterior. Os gastos no Serviço Educativo estavam na ordem dos 500.000 € (2008 e 2009)4, mais tarde 340.000 € (2013) e 300.000 € (2014)5, e já com o mecenato da Allianz ainda baixaram mais, para 275.184 € (2017) e 267.395 € (2019)6.

Conclusão: a seguradora Allianz beneficia de um novo negócio com a Fundação Casa da Música, desde 2015, graças a um donativo mecenático muito inferior à receita que embolsa como fornecedor preferencial de apólices de seguro. Este mecenato não tem tido qualquer efeito na actividade do Serviço Educativo. (Ainda que houvesse tal efeito, o Estatuto do Mecenato não permite que se privilegie a relação comercial com a empresa doadora.)

Pescadinha de rabo na boca

Como se viu acima, um dos membros do Conselho de Administração da Allianz é José Pena do Amaral. Os privilégios concedidos à Allianz pela Fundação Casa da Música começaram precisamente em 2015, assim que José Pena do Amaral foi designado presidente do Conselho de Administração da Casa da Música (cargo que exerceu até Junho de 2021). Os seguros da Allianz são detidos em 35% pelo BPI (onde trabalhava José Pena do Amaral como membro da Comissão Executiva), empresa essa que é também mecenas da Casa da Música. O BPI, enquanto participante no capital da Allianz, beneficia portanto dos negócios desta empresa com a Casa da Música (ver Fuga 4).

Mas a presença do BPI no Conselho de Administração da Fundação Casa da Música, naquele período, não se cingiu a José Pena do Amaral. Outro homem do banco aí colocado desde 2015 foi António Lobo Xavier, administrador do BPI desde 2008 e vice-presidente do Conselho de Administração do BPI desde 2020.

Nota sobre as seguradoras AXA e Ageas

A seguradora AXA foi mecenas da Fundação Casa da Música entre 2008 e 2012, com um contributo de 250.000 € anuais que cessou em 20137. Também neste caso existiu uma relação comercial entre as entidades, sem os obrigatórios procedimentos de contratação pública. Esta relação foi desaparecendo em 2013 e 2014 e terminou por completo a partir de então, reflectindo a promiscuidade entre o estatuto de mecenas e o de parceiro comercial.

A seguradora AXA Portugal foi comprada pela Ageas em 2016, e esta voltou a assumir o papel de mecenas da Casa da Música, embora com valores muito inferiores: dos 250.000 € anuais da AXA para os 20.000 € anuais da Ageas em 20218. É imediatamente após este retorno ao papel de mecenas que, em 2021, os seguros da categoria Multirriscos – Comercial passam a ser contratados à Ageas Portugal. A isto não será também alheio o facto de a Allianz deixar de contribuir nesse mesmo ano de 2021 – coincidentemente, o ano em que Pena do Amaral deixa de fazer parte do Conselho de Administração da Casa da Música. O contributo da Ageas, que era de 40.000 € em 2019, foi reduzido para 20.000 € em 2021.9

Também o novo contrato de 2021 com a Ageas não foi alvo de um procedimento de contratação pública, apesar do seu valor de cerca de 30.000 €. O primeiro concurso público para este serviço foi feito em Março de 2022. Curiosamente, a empresa vencedora do concurso foi… a Ageas.

PRÓXIMA FUGA
3:
A SONAE e a Casa da Música ao retalho

Fontes
(1) Planos de Actividades e Orçamento 2017 (p. 349), 2018 (p. 337) e 2019 (p. 225).
(2) Contratos públicos da Fundação Casa da Música disponíveis em https://www.base.gov.pt/Base4/pt/pesquisa/?type=contratos&adjudicanteid=31323.
(3) Relatórios de Actividades e Contas 2015 (p. 135), 2016 (p. 159), 2017 (p. 196), 2018 (p. 196) e 2019 (p. 213).
(4) Relatório de Actividades e Contas 2010, página 108.
(5) Relatório de Actividades e Contas 2014, página 160.
(6) Relatório de Actividades e Contas 2019, página 31.
(7) Relatórios de Actividades e Contas 2008 (p. 70), 2009 (p. 109), 2010 (p. 111), 2011 (p. 117), 2012 (p. 146) e 2013 (p. 115).
(8) Relatório de Actividades e Contas 2021, página 202.
(9) Quadros das receitas de mecenato nos Relatórios de Actividades e Contas de 2019 (p. 213), 2020 (p. 188) e 2021 (p. 202).